Naquele bairro, todas as casas tinham jardins e belos gramados. Poucos edifícios subiam além dos ipês que acompanhavam os dois lados da rua. Na esquina, uma praça antiga, com velhas árvores protegendo bancos de concreto desgastados pelo uso.
A fachada do edifício, coberta de pastilhas em tom avermelhado, era recortada por grandes janelas de vidro escuro.
O saguão fora mobiliado com sobriedade. A elegância era dada pelo piso de mármore e pelas plantas viçosas. Dois elevadores serviam os dez andares, com dois apartamentos cada. Um era de serviço e o outro social. O primeiro era corriqueiro e o segundo, coberto de espelhos com acabamento em madeira escura.
O apartamento 701 estava com a porta entreaberta. Todos os cômodos estavam iluminados. Na sala de estar uma revista de decoração jazia sobre o sofá, o jornal do dia caído sobre o tapete e uma gravata jogada sobre a mesa.
No corredor uma sucessão de portas pintadas de branco. O carpete aveludado abafava o som dos passos. Na parede da esquerda um aparador de ferro coberto por um vidro grosso, sobre o qual repousava um vaso de cristal carregado de rosas vermelhas e um chaveiro delicado, feto de miçangas coloridas, reunindo chaves de vários tamanhos e feitios. Na parede acima do aparador, um espelho emoldurado com o mesmo ferro trabalhado refletia a porta principal.
No quarto de casal os lençóis, de um xadrez vivo, estavam embolados sobre a cama e uma colcha amarela havia deslizado parcialmente para o lado esquerdo. Sobre uma poltrona bege, um paletó azul e uma camisa branca. Na mesa de cabeceira, um cinzeiro com várias pontas de cigarro e um isqueiro descartável. No carpete, próximo à cama, um brinco de prata, na forma de uma grande argola e um par de sapatos vermelhos com saltos altos e finos. A cortina branca movimenta-se ao sabor do vento que entrava pela grande janela. Sobre a penteadeira objetos masculinos contrastavam com um pente de dentes largos e grossos, coberto por longos fios de cabelos louros e um estojo de batom. O closet estava remexido, com gavetas abertas e roupas em desalinho.
No banheiro, os vapores do último banho ainda umedeciam o espelho, a torneira deixava correr um filete contínuo de água e o chuveiro gotejava em períodos regulares. Na tampa do vaso sanitário, uma calcinha de renda vermelha, embolada como uma flor.
No balcão da pia, da ampla e arejada cozinha, uma garrafa de uísque pela metade, dois copos usados, uma fôrma de gelo com alguns cubos semiderretidos. Sobre a mesa uma bolsa grande de couro preto e uma carteira de cigarros aberta. No chão, em frente a pia, um pano de pratos e uma faca, ambos ensangüentados.
Na sala de jantar a mesa estava posta para duas pessoas. Os pratos estavam intocados, porém os cálices ainda guardavam restos do vinho de duas garrafas vazias, que maculavam o fino tecido da toalha. Sobre o antigo balcão de madeira polida um equipamento sonoro reproduzia os acordes pungentes e melancólicos do bolero de Ravel, que fazia fundo para os gemidos roucos da mulher nua, que arquejava sobre uma poça de sangue.